Com nova abordagem, campanha da gigante O Boticário mostra que abordar um tema recorrente de forma original e honesta pode gerar frutos; no caso, uma campanha de apelo universal

Tormenta, no sentido metafórico, é aquilo que perturba, causa agitação e alguma desordem. Talvez a tormenta seja uma das faces da maternidade, uma jornada que de linear e estável não tem nada. Mesmo tendo seus momentos de calmaria, a agitação é quase sempre a regra e não há monotonia, independentemente da idade de nossos filhos. Em estudos que tenho feito com mães, dois períodos são particularmente difíceis nessa jornada. O primeiro quando eles são bebês de até 12 meses e o segundo, a fase da adolescência. Na adolescência, a maternidade é testada de todas as formas e a tormenta se acentua, o mar é revolto como nunca e a sensação é de que a terra firme está a milhas náuticas de distância.

A tormenta da maternidade é tema de um recente filme de Dia das Mães da marca O Boticário. Assim como muitas mães, chorei ao vê-lo. No meu caso, a emoção e a memória dos meus filhos quando adolescentes foram ativadas de forma imediata. Aliás, lembrei-me de um texto que escrevi quando minha filha Beatriz era adolescente e, assim como no filme, após uma discussão que tivemos, ela no alto de sua maturidade me falou: "Mãe, é a primeira vez que você é mãe de adolescente, você está tentando acertar". É isso. A tormenta da maternidade na adolescência é um jogo de tentativa e erro, sempre com as melhores das intenções. E, como bem diz o filme: "A tormenta passa e o amor fica".  Mais algumas lágrimas caem aqui.

Qual o sentido de marcas como O Boticário adotarem estratégias que abrem mão de falar de marca ou produtos e propõem temas para a reflexão? Para tentar refletir sobre isso, penso na própria tormenta que hoje as marcas enfrentam: perturbação, agitação e desordem. Não é uma crítica a elas, mas simplesmente uma constatação de quão difícil hoje é para quase todas navegar em águas turbulentas. A competição é feroz, tem tubarão para todo lado. Cada vez mais as marcas estão parelhas em termos de entregas e qualidade, diferenciar-se é uma missão complexa em quase todas as indústrias. O acesso à tecnologia e à inteligência artificial encurtaram ainda mais as distâncias.

Se no plano dos produtos, as marcas vivem essa tormenta, no cenário da comunicação não ficam nem um pouco atrás. Os mares estão todos abertos e disponíveis, há um acúmulo de mensagens, em muitos meios e plataformas, disputando a atenção dos consumidores. Quantas mensagens de marcas recebemos todos os dias considerando todos os canais a que somos expostos? Não tenho esse número, mas tendo a dizer que deve passar de 100 facilmente. Tudo tem marca. Da Alexa que nos acorda pela manhã até a última checada no Instagram antes de dormir. Entre a Alexa e o Instagram, vão mais de 100. Aparecer nesse mar turbulento é coisa para peixe grande ou bem inteligente, coisa de golfinho que, segundo consta, é um dos mamíferos aquáticos mais inteligentes.

Voltando ao O Boticário, a bela criação da AlmapBBDO que ainda teve a música sensacional de Billie Eilish, aumentando o clima emocional da tormenta, traz um caminho estratégico para lidar com os dois desafios que trouxe acima. O filme fura as duas ondas: a da comoditização das marcas e a da pulverização de meios e mensagens. E como? Trazendo algo que sensibiliza as pessoas a tal ponto que a memória é imediata e natural.

Isso porque o tema escolhido é uma verdade arquetípica, como Carl Jung, o psiquiatra suíço no início do século passado, conceituou na psicologia analítica. O sentimento da maternidade e a tormenta na adolescência falam de uma verdade atemporal, que não tem raça, geografia nem classe social. Ela pega na veia porque traz uma emoção universal, profunda e que gera imediatamente essa catarse energética. Assim como os mitos e contos de fadas, o filme de O Boticário nos toca porque traz esse nosso interior mais primitivo, mais humano, mais verdadeiro.

Podemos nos perguntar: faz sentido para O Boticário abraçar esse tema? Uma empresa que vende produtos de higiene pessoal e beleza? Com certeza, sim. Mais do que essa relação transacional dos produtos, esta marca em especial alimenta vínculos e emoções. Não só com esse filme, mas em sua história. O filme, nada mais é do que levar isso ao extremo, o vínculo mais belo que existe, aquele entre mãe e filhos. Pais que me desculpem, mas esse amor é único, mesmo que seja atormentado. Apesar de longo, quase 4 minutos, a emoção é tamanha que vencemos a irritabilidade atual com o tempo e vamos juntos com a mãe e o filho esperando o desfecho do filme.

Como mãe, autora de livros relacionados à maternidade, psicóloga e especialista em marcas, aplaudo a iniciativa, me emociono e confirmo uma certeza. A tormenta da maternidade e das marcas é o default, não existe mar calmo, mas é como diz o provérbio: "mar calmo não faz bom marinheiro".

Cecília Russo Troiano é diretora-geral da TroianoBranding